A internet profunda e o mercado da exploração sexual infantil

 Com o título Melhor estar a salvo do que lamentar um homem – que por motivos óbvios mantém o anonimato –, relata em um fórum na internet como evitar problemas ao procurar sexo com crianças. O objetivo do post é ajudar outros a obter esse tipo de serviço sem o envolvimento de grandes riscos. Entre as chamadas “medidas de segurança” destacam-se os subornos e extorsões, estratégias para driblar o trabalho de ONGs de proteção infantojuvenil, cuidados com intermediários e um manual básico de comportamento nos bordéis. Tudo para não chamar muito a atenção e garantir a satisfação dos “clientes”.

Publicações como essa podem ser facilmente encontradas na internet, mas principalmente em sistemas de busca e hospedagem que estão na “deep web”. Descrita por alguns como o inferno da internet (ou paraíso para outros), a deep web, ou internet profunda, caracteriza-se por conteúdos não acessíveis pelo modo convencional, como por exemplo, mecanismos de busca como o Google. É protegida por várias camadas que dificultam o rastreio do usuário e foi projetada para abrigar conteúdos privados, inicialmente de caráter político, que não poderiam ser divulgados em países de regime fechado ou que controlam as informações na internet, como China, Coréia do Norte, Irã, por exemplo. É justamente na deep web que sites como o WikiLeaks e grupos de ciberativismo se articulam e publicam seus documentos.

Entretanto, a deep web tornou-se em pouco tempo território de inúmeras atividades ilegais, como venda de drogas, armas, falsificação de documentos, tráfico de pessoas, e apologia à pedofilia, com sites de apoio e militância à esta causa, além da troca e comércio de fotos e vídeos de pornografia infantil. Pode-se encontrar até fóruns onde se discutem as melhores formas de raptar e torturar crianças, tudo fartamente ilustrado com fotos e vídeos!

Ainda não se sabe o real tamanho da deep web e o volume de informações que circulam por lá. Mas a julgar pela quantidade e variedade de material pornográfico infantil, conclui-se que milhares de crianças e adolescentes estão sendo aliciadas sistematicamente, a fim de alimentar esse mercado. A ONU calcula que o tráfico de pessoas movimenta em torno de 32 bilhões de dólares anuais ao redor do mundo. Cerca de 85% desse montante provém da exploração sexual (http://migre.me/djvqB).

A publicação citada no início desse texto é um exemplo de como atividades relacionadas à exploração sexual comercial tornaram-se para muitos um negócio muito promissor. Outras postagens encontradas em fóruns de discussão na deep web referem-se a descrições de como obter sexo com crianças de maneira “segura”, detalhando o funcionamento do mercado em cada país, os melhores pontos para se hospedar, comer e passear. Ou seja, funcionam como verdadeiros guias de turismo sexual. Nesses fóruns discute-se de tudo, desde como cada país facilita a entrada, a circulação e atuação de turistas com a finalidade da exploração sexual, detalhes sobre as preferências de idade e sexo, e até mesmo a quantia média de propina reservada a policiais e intermediários (taxistas, donos de bares e quiosques, etc.). O clima entre os frequentadores dos fóruns é de intenso apoio, recomendações mútuas e camaradagem, constatado pelo final de mensagens do tipo: “Boa sorte para qualquer um que escolher essa rota!”

Alguns sites na deep web desenvolveram uma moeda própria, a bitcoin, pela qual se pode negociar o valor das fotos e vídeos. Uma pessoa, alegando ser um adolescente, vende seus serviços com a seguinte descrição:

“Sou um adolescente de 16 anos. Pela troca de bitcoins te envio fotografias minhas posando como você me pedir, ou realizando algum ato de seu interesse. Tudo é anônimo, mas para comprovar que sou eu, você pode me pedir algum sinal nas fotos, como algo escrito em mim mesmo, conforme sua imaginação.”

O restante do anúncio é impublicável aqui, mas refere-se às opções de que o cliente dispõe. O negócio é quase sempre fechado por e-mail, cujas contas estão hospedadas em provedores secretos da deep web, bastante protegidos e complicados de rastrear. Dificilmente deve-se acreditar que não exista uma rede de exploração muito bem organizada por trás de anúncios como esse.

Existem ainda muitos outros exemplos que demonstram a diversidade das formas de exploração, mas também outros que explicam, em parte, a manutenção desse crime: os sites de apoio a pedófilos, não por acaso, por serem estes os “consumidores” preferenciais de pornografia infantojuvenil. O conteúdo desses sites basicamente versa sobre racionalizações articuladas para justificar a prática do abuso. No entanto, palavras como abuso, violência, crime não fazem parte de seu vocabulário, e tem sido sistematicamente substituídas por orientação sexual, amor, relacionamentos, etc. A regra por lá é naturalizar a prática da relação sexual entre adultos e crianças, de modo a ser encarada como algo aceitável e até mesmo recomendável.

É importante ressaltar que o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes tem muitas causas, e não se pode responsabilizar unicamente os pedófilos por todos os crimes cometidos contra elas, nem atribuir a eles toda a demanda pelos serviços sexuais. Levando seriamente em consideração a existência de uma rede de exploração temos vários sujeitos envolvidos em sua sustentação: aliciadores, produtores de material pornográfico, proprietários de sites de compra e venda desse material, agenciadores, traficantes de pessoas, donos de hotéis, bares, prostíbulos e casas noturnas, cafetões e cafetinas, taxistas, etc. Muitas dessas pessoas estão envolvidas no mercado formal de trabalho, servindo como fachada para sua atuação. Portanto, não seria possível uma atividade movimentar tanto dinheiro e gerar tanto lucro se não houvesse uma rede criminosa altamente articulada e especializada no que faz.

As redes de exploração sexual estão profundamente difundidas, dentro e fora da internet e possuem dimensões muito maiores do que qualquer pessoa possa supor ou calcular. Se praticamente tudo o que sabemos sobre o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes o sabemos através dos casos que estão na superfície – dos quais tomamos conhecimento –, isto então é só a ponta do iceberg, cuja maior parte se encontra nas profundezas, não só da própria internet, mas sobretudo, da alma humana.

 

Alexandre Gonçalves

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